Conhecido por ter uma mente consagrada que raramente erra, Vince Gilligan acertou novamente ao idealizar o filme “El Camino: A Breaking Bad Movie” (2019). O filme, que chegou seis anos depois do fim da série, possui linguagem e características de Gilligan já conhecidas pelo público, é simples e direta, com diálogos econômicos, no tom do humor, e uma escolha muito pontual de personagens.
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O personagem principal, Jesse, carrega consigo a responsabilidade da morte trágica de Jane na terceira temporada da série, e esse é o martírio dele. O filme não poderia lidar com outro tema, senão o acerto de contas sobre esse peso. Gilligan faz com que a história de sofrência se torne a morbidez crônica de Breaking Bad, fazendo com que Jesse tome de fato o seu papel de protagonista: o último inocente em um mundo cheio de insensibilidade.
El Camino problematiza a autopiedade de Jesse sem demorar muito, e o resultado vem como um arco de redenção muito efetivo que se passa nas sutilezas, como quando ele apenas assiste ao desembarque das prostitutas sem demonstrar reação.
Este filme é muito esperto quando combina o arco dramático com o humor que revelam a ingenuidade do suposto malandro, primeiro engando os “policiais”, depois mostrando a cena da loja e depois a sua “confissão” de ingenuidade para os pais.
O momento de virada do filme é muito aparente e se mostra com o auge da problematização da autopiedade, situação em que Jesse escuta alguém dizer, finalmente, que “se ele quer piedade procure a polícia”. Sua entrega é muito seca e direta, conforme o estilo do ator Robert Forster. O diretor enquadra os dois atores diante de uma porta contraluz; fazendo com que aquele momento seja definido apenas pelo halo de luz.
O desfecho da história acontece em uma nota que não tem nada a ver com o arco de Walter White, uma vez que o protagonista da série era justamente a capacidade que o protagonista tinha de transformar e moldar o mundo ao redor à sua semelhança.
O deserto do México mostra o fim de Jesse, que descansa num espaço horizontalizado sem fim, um lugar também aberto a qualquer tipo de imprevisto, só que sem o fator visível da crueldade humana que desequilibra a fatura.