Dia Internacional da Mulher e a isonomia no serviço militar

Servidoras e especialistas discutem a questão da realidade feminina nas instituições militares, cujos desafios começam no ingresso por concurso público.



Dia 08 de março, Dia da Mulher, levantamos um assunto que provoca questionamentos entre as concurseiras que sonham com a carreira militar: a isonomia de oportunidades.

As dificuldades enfrentadas pela mulher na carreira militar são muitas. Diariamente, servidoras precisam provar que a atividade não é, exclusivamente, masculina e que, sim, são capazes de sair às ruas, investigar e entrar em combate, em pés de igualdade.

Porém, os desafios vão muito além e começam do ingresso da mulher nas corporações militares. Ao analisar um edital, já reparou na diferença entre o quantitativo de vagas ofertadas para homens e mulheres?

Casos e iniciativas

Segundo o Art. 4° da Lei 9.713/1998, “o efetivo de policiais militares femininos será de até dez por cento do efetivo de cada Quadro”. Na prática, a realidade é um pouco diferente. O efetivo da Polícia Militar do Distrito Federal (PM-DF) é de, atualmente, 10.038 servidores. Destes, 911 são mulheres – abaixo do previsto em lei.

O quadro foi motivo de ação promovida pelo Ministério Público do DF (MP-DF) para que o comando da corporação retificasse o edital do certame lançado neste ano. A recomendação pede a ampliação do número de vagas para mulheres para que, desse modo, o quantitativo se adequasse à porcentagem acima citada.

A PM-DF acatou a recomendação e retificou o edital, conforme publicação no Diário Oficial do DF no dia 02 de março. Outra iniciativa que partiu do comando foi se comprometer a criar uma comissão para avaliar a situação da mulher na PM.

O intuito é que, conforme o resultado, seja proposto um projeto de lei para alterar o mínimo de vagas destinadas à candidatas do sexo feminino. A proposta é corroborada por um dos relatores da recomendação, o promotor Nísio Torres. Conforme ele mesmo lembra, a Lei 9.713/1998 já tem duas décadas. Convenhamos, o texto não corresponde à atual realidade do policiamento.

Outro plano objetiva ampliar o número de mulheres nas corporações militares. Trata-se do Projeto de Lei 6.299, de autoria do deputado Cabo Sabino. A proposta sugere o aumento do percentual para 25%, além de prever a concorrência, pelas mulheres, tanto nas vagas reservadas quanto de ampla concorrência.

O deputado argumenta quanto à presença feminina em diferentes atividades, desde o comando até o operacional. Mas, reforça que a maior parte delas continua em postos administrativos.

Questionamento da Lei 9713/98

Para especialistas, a própria existência da Lei se mostra preconceituosa e, inclusive, inconstitucional. Segundo Maria Elizabeth Rocha, ministra do Superior Tribunal Militar (STM), uma lei que veio para unificar os quadros acabou por estabelecer uma política discriminatória.

A ministra comenta que, a partir daí, conclui-se o quão longe ainda estamos da “tão almejada isonomia”. Em tempo – Maria Elizabeth é, até hoje, a única mulher nomeada ministra da Pasta, o órgão máximo da Justiça Militar da União.

O advogado Max Kolbe, membro da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB-DF, afirma que há inconstitucionalidade na Lei 97163/98. O artigo 5° da Constituição Federal prevê que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.

Sendo assim, ao estabelecer o limite de 10% para ingresso de mulheres nas corporações, não há dúvidas quanto à violação aos princípios constitucionais. A partir das movimentações relacionadas ao certame para a PMDF, Nísio Torres sugere o avanço no assunto e o questionamento quanto à constitucionalidade da Lei perante o Supremo Tribunal Federal.

No documento encaminhado à corporação do DF, inclusive, o MP afirma que “negar o direito da mulher de concorrer à totalidade das vagas previstas no edital constitui flagrante vício de inconstitucionalidade material, pois a Carta Magna permite apenas discriminação positiva, para garantir e efetivar direitos”.

Denise Vargas, professora especialista em Direito Constitucional, aponta que o percentual não se justifica, bem como o argumento de incompatibilidade das atividades do cargo. Ela cita a presença feminina em combate nas Forças Armadas, mostrando que elas são, sim, competentes e possuidoras de capacidade física para o ingresso nesse tipo de atividade.

A cultura preconceituosa e machista dos concursos é corroborada pela coordenadora dos Direitos das Mulheres na Diretoria da Unb, Silvia Badim. A especialista afirma que os certames refletem a “construção cultural de que o homem é mais forte fisicamente que as mulheres”, afirmando uma postura desigual, preconceituosa e machista.

Cultura plantada nos idos da década de 40, nas políticas que pregaram o corpo feminino como frágil e passível de proteção para fins de reprodução. Razão pela qual foi restrito o ingresso das mulheres em corporações militares e, até mesmo, esportes como o futebol.

A mulher nas Forças Armadas

Como já é sabido, o alistamento militar obrigatório é válido para homens ao completarem 18 anos. Para mulheres, a Escola Preparatória de Cadetes é a única porta de entrada na linha bélica das Forças Armadas.

Isso reforça a restrição das mulheres no serviço de combatente. Para elas, a forma de ingresso como militares é por concurso público para oficial, sargento ou profissional (assessoras de imprensa, engenheira e médica, por exemplo).

O Projeto de Lei PLS 213/2015, de autoria da senadora Vanessa Grazziotin, tem o intuito de mudar essa realidade. O texto sugere o ingresso facultativo das mulheres, também, aos 18 anos. Se aprovado, o PL faculta o alistamento por vontade espontânea para aquelas que desejarem seguir carreira militar.

A senadora aponta que a proposta se constitui como uma ação afirmativa, proporcionando às mulheres a oportunidade de seguir a carreira. Vale lembrar que lei sancionada pela presidenta Dilma Roussef prevê a abertura de vagas às mulheres em todas as carreiras militares, dentro das Armas, Quadros e Serviços.

Por isso, seleções para a EsPCEx (Escola Preparatória de Cadetes do Exército) e Escola de Sargentos das Armas (EsSA) do Exército já contam com quantitativo previsto para candidatas do sexo feminino.

É importante frisar que, o intuito não é forçar mulheres a entrar nas Forças Armadas, ou seja, uma medida compulsória de alistamento obrigatório. Pelo contrário, a luta feminina pela entrada na corporação se junta ao desejo de seguirem carreira conforme sua própria vontade.

A mulher no serviço público

Em matéria publicada pelo Correio Braziliense de 2016, as mulheres ocupam 55% das vagas do funcionalismo público das esferas federal, estadual e municipal. Na primeira, a ocupação corresponde a 40,9% dos cargos.

A primeira servidora do país foi Joana França Stockmeyer, funcionária da Imprensa Nacional entre 1892  e 1944. Desde então, muios benefícios foram criados em favor da servidora pública, como 180 dias de licença-adotante, similar ao concedido na licença-maternidade.

Mas, mesmo com certas vantagens sobre mulheres que ocupam cargos na iniciativa privada, as servidoras ainda sofrem com situações semelhantes relacionadas à diferença de gênero. Como exemplo, estão remuneração inferior à dos homens no topo de carreira e ocupação de cargos menos relevantes, mesmo diante de grau elevado de escolaridade.

Estudo realizado pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) aponta que as mulheres continuam em menor número na chamada elite do serviço público. A dificuldade em chegar ao topo de carreira é apontado pela grande maioria das servidoras.

Algumas delas afirmam que sua competência é reconhecida pelos próprios colegas, mas, que ainda assim, os homens seguem como favoritos a ocupar postos de chefia. O quadro tem mudado em algumas repartições.

Na mesma reportagem veiculada pelo Correio, Daliane Silvério, chefe do Departamento de Arquivos Administrativos do Senado Federal, destacou não enxergar, pelo menos no seu posto, a cultura machista relacionada à ocupação de cargos de liderança.

Mas, o caminho ainda é árduo, tanto no Brasil, quanto no mundo. Portanto, ainda temos muito pelo que lutar.

Porém, neste dia dedicado às mulheres, o conselho dado pela ministra Maria Elizabeth Rocha é mais que válido: que as mulheres continuem correndo atrás de seus sonhos e quebrando paradigmas. “Não há  razão para as mulheres não romperem barreiras. Afinal, nós mulheres, temos o dever de construir uma sociedade melhor para os que virão depois de nós.”




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