Voltando para o ano de 2020, lembra-se daquele dia em que você usou a mesma roupa de moletom por uma semana e sentiu que todo o mês de abril passou em um piscar de olhos? Bem, não é apenas sua sensação. A pandemia bagunçou o jeito como percebemos o tempo, e não estou falando apenas sobre esquecer que dia da semana é.
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O tempo, como já dizia o filósofo, é relativo. Mas quem imaginaria que viveríamos em um período onde um dia pareceria eterno e, paradoxalmente, um mês voaria?
Um resgate na memória
Quando pensamos em memória, muitos de nós imaginamos uma espécie de biblioteca de eventos do passado, organizada, catalogada e pronta para ser acessada. A realidade, entretanto, é bem mais complexa. A memória é como um pintor que recria cenas do passado sob a influência do presente, adicionando novos detalhes, omitindo outros e, às vezes, até mudando as cores.
Pegue, por exemplo, a pesquisa realizada pelo site Ashley Madison, que revelou um fato intrigante: as emoções vividas durante a pandemia distorceram nossa percepção do tempo. Para muitos de nós, os meses de confinamento se fundiram em um borrão contínuo, enquanto certos momentos específicos pareciam durar uma eternidade. Parece confuso, não é?
De acordo com Nina Rouhani, neurocientista cognitiva, a maneira como processamos memórias tem muito a ver com isso. Se por um lado, a constante enxurrada de notícias e acontecimentos de 2020 criou “marcadores de eventos”, dando a sensação de que muito aconteceu, por outro, o isolamento e a rotina inalterada fizeram os dias parecerem monótonos e indistintos.
Em um estudo minucioso, Rouhani analisou como as pessoas recordavam os eventos de 2020. E descobriu algo fascinante: nossa memória do período da pandemia era como uma versão comprimida da realidade. Os eventos que normalmente se espalhariam ao longo de meses pareciam ter acontecido em semanas.
Há uma reviravolta
Enquanto a pandemia comprimia nossas memórias, o estresse e a emoção intensa que muitos de nós sentíamos pareciam amplificar e distorcer as recordações. Por exemplo, você pode não lembrar o que comeu no último mês, mas com certeza lembra exatamente como se sentiu ao assistir às notícias mais chocantes.
Rouhani sugere que essa combinação de monotonia e emoção intensa durante a pandemia criou uma espécie de “tempestade perfeita” para mexer com nossa percepção do tempo. É como se nosso relógio interno tivesse ganhado vida própria, avançando rapidamente em alguns momentos e rastejando em outros.
Então, o que tudo isso significa para nós enquanto navegamos neste mundo pós-pandêmico? Por um lado, é uma lembrança de que nossa percepção da realidade é moldada por inúmeras forças, muitas das quais nem mesmo estamos cientes. E, por outro lado, é um convite para abraçarmos a flexibilidade e a incerteza, porque, como a pandemia nos mostrou, a única constante na vida é a mudança.