Superendividados podem estar em risco com decisão sobre penhora de salário

STJ autoriza a penhora de salário para pagamento de dívidas. Especialistas alertam para o risco da decisão.



O STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu em abril que não há mais limite mínimo para a penhora de salário para pagamento de dívidas atrasadas. Até então, somente devedores com ganho acima de 50 salários mínimos poderiam ter a remuneração penhorada para quitar débitos.

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“A fixação desse limite de 50 salários mínimos merece críticas, na medida em que se mostra muito destoante da realidade brasileira, tornando o dispositivo praticamente inócuo”, justificou o ministro João Otávio de Noronha, do STJ.

Segundo Ione Amorim, coordenadora do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), a medida pode “esvaziar a Lei 14.181/2021, criada para combater o superendividamento“. Hoje, quase 80% das famílias brasileiras possuem a renda comprometida com pagamentos a bancos e instituições financeiras.

“Quando começamos a discutir a Lei do Superendividamento, dez anos atrás, havia 50% de famílias comprometidas. Hoje, são 80%”, acrescenta.

A chamada Lei do Superendividamento foi sancionada em 2021 após mais de dez anos de discussão. A legislação estabelece a opção de renegociar todas as dívidas de uma só vez, com um plano de pagamento compatível com a renda do devedor. Ela também protege o consumidor de assédio e humilhação por parte dos credores.

A ação do STJ ainda não transitou em julgado, ou seja, ainda cabe recurso. No entanto, especialistas temem que os bancos utilizem a nova regra para cobrar débitos na Justiça sem negociar taxas de juros abusivas. O juro do rotativo do cartão de crédito, por exemplo, chegou a 430% ao ano em março.

Penhora do salário

O artigo 833 do Código de Processo Civil prevê a penhora do salário para pagamento de pensão alimentícia e quitação de dívidas de contribuintes com renda superior a 50 salários mínimos. Para os defensores da nova medida, o limite é muito restritivo e acaba “protegendo o devedor”.

Os críticos defendem que o texto atual deixa muitos credores sem nada, já que apesar de vencerem o processo na Justiça, não recebem o dinheiro porque a dívida não é paga.

Outros criticam a flexibilização do artigo 833. “Essa ideia de que o credor é vitimizado no Brasil faz sentido para a pessoa que é atropelada e que não tem dinheiro para pagar as contas do hospital”, diz Maria Paula Bertran, professora de Direito Econômico da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto.

Ela avalia que a medida é um “precedente grave” a favor de instituições financeiras e que “esvazia a Lei do Superendividamento”. Segundo a professora, a decisão trouxe, pela primeira vez, a obrigação dos bancos arcarem com a consequência da sua oferta extremada de crédito”.

Vale destacar que o STJ determinou apenas que a quantia para pagamento da dívida não pode impactar a subsistência do inadimplente e de sua família. Entretanto, Maria Paula Bertran teme que a decisão caiba aos juízes.

“Deixar na discricionariedade dos juízes é um problema muito grave. Os juízes não são endividados, os juízes não são uma categoria que sinta na pele a oferta insidiosa [traiçoeira, enganadora] e a perda de controle da renda”, completa.




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