As montanhas douradas no interior do Brasil revelam uma situação intrigante: o excesso de oferta de milho no país. Segundo dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), a produção deste ano deve chegar a 128 milhões de toneladas, crescimento de 13% em relação ao ciclo anterior, a maior safra da história brasileira.
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A quantidade imensa de milho produzida é uma das responsáveis por baratear a ração animal e baixar os preços da produção de carnes, aliviando a inflação do país. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que os preços já caíram quase 6%.
A safra do produto ajuda também na alta do PIB (Produto Interno Bruto) para valores acima do esperado, além de superávits recordes na balança comercial. Entretanto, existe o outro lado dessa história.
Armazéns lotados
A produção recorde de milho vem após uma safra também histórica de soja, o que resultou em armazéns lotados e toneladas de alimento armazenadas ao relento, sob temperaturas elevadas e correndo o risco de ataques de insetos e roedores.
Dados da Câmara Setorial de Armazenagem de Grãos da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (CSEAG-Abimaq) revelam que o problema está mais grave. Entre 2022 e 2023, o déficit de armazenagem de grãos passou de 83 milhões de toneladas para 118 milhões de toneladas.
Enquanto a produção de grãos brasileira cresce a uma média 9,4 milhões de toneladas por ano, a capacidade de armazenagem aumenta praticamente pela metade, 4,8 milhões de toneladas por ano.
“Quem mais sofre é o milho, porque ele tem um valor agregado menor do que a soja — uma saca de milho vale menos do que a metade que a de soja”, explica Paulo Bertolini, diretor da Abramilho (Associação Brasileira dos Produtores de Milho).
“E ele produz duas vezes e meia a mais por hectare, então ocupa duas vezes e meia mais espaço do que a soja ocuparia e gasta duas vezes mais tempo para secar. Então a situação do milho é mais grave, num cenário onde o Brasil não tem capacidade para processar sua produção inteira”, completa.
Queda nos preços
Outro motivo para o grande volume armazenado de qualquer jeito é a queda nos preços dos grãos, já que “muitos produtores não fizeram negociação de soja ainda, estão mantendo a soja armazenada”, afirma Sadi Beledelli, presidente do Sindicato Rural de Sorriso (MT).
“Nós não temos armazéns suficientes na região para armazenar as duas safras, então muitos armazéns estão colocando milho a céu aberto, do lado de fora”, acrescenta.
Chuvas são raras no Mato Grosso durante o atual período do ano, mas o cenário deve mudar a partir de setembro. Até lá, os produtores terão que encontrar um lugar para colocar todo esse milho.
A Abimaq estima que seriam necessários investimentos de R$ 15 bilhões por ano para ampliar a capacidade de armazenagem do Brasil. “O que falta ao Brasil é recurso para financiamento compatível com o tipo de investimento necessário”, finaliza Bertolini.