Por que a maioria das pessoas NÃO é canhota?

Predominância de destros ao redor do mundo envolve fatores culturais, biológicos e evolutivos, desvendando um mistério que atravessa milênios.



A predominância de pessoas destras no mundo é um fenômeno que atravessa culturas, épocas e continentes, e continua intrigando cientistas.

Embora existam explicações genéticas, biológicas e culturais, a verdadeira razão pela qual cerca de 90% da população mundial utiliza preferencialmente a mão direita ainda não é totalmente compreendida.

A dominância lateral, seja ela destra ou canhota, vai muito além de um simples hábito de escrita. Ela está profundamente enraizada em aspectos neurológicos, culturais e até simbólicos.

Em diversas tradições, o lado direito é associado à virtude, habilidade e autoridade, enquanto o lado esquerdo carrega conotações negativas. Isso se reflete inclusive no vocabulário: o próprio dicionário Aurélio associa o termo “canhoto” a significados como “inábil” ou “desastrado”.

Desde representações religiosas, como nas cenas do Juízo Final, em que os justos se posicionam à direita de Deus, até rituais de etiqueta em culturas orientais e islâmicas, a mão esquerda muitas vezes é marginalizada. Mas essa preferência cultural seria reflexo de uma predisposição biológica?

Pessoa canhota (Foto: Getty Images)

Hipótese 1: há uma relação genética com o sexo?

Alguns estudos sugerem que ser canhoto poderia estar ligado aos cromossomos sexuais, já que homens são ligeiramente mais propensos a serem canhotos do que mulheres.

Além disso, pesquisas apontam que pessoas canhotas possuem uma leve redução na expectativa de vida e maior incidência de doenças imunológicas, enxaquecas e distúrbios cognitivos.

Contudo, a ideia de que essa característica estaria ligada ao cromossomo X não se sustenta firmemente. A distribuição de canhotos entre homens e mulheres não segue os padrões típicos da herança mendeliana ligada ao sexo.

Além disso, a ocorrência de canhotos é mais alta em gêmeos, prematuros e indivíduos que enfrentaram estresse fetal ou hipóxia, o que sugere que fatores ambientais também têm grande influência.

Mesmo em espécies próximas ao ser humano, como os chimpanzés, essa tendência à dominância da mão direita também é observada, o que reforça a hipótese de um componente evolutivo.

Hipótese 2: a vantagem evolutiva dos destros

A segunda grande linha de raciocínio parte do princípio da evolução biológica. Embora ambas as mãos possam ser treinadas para funções complexas, há assimetrias corporais fundamentais que moldam o comportamento motor humano desde a fase embrionária.

O sistema digestivo, o posicionamento do coração e até a configuração do sistema circulatório já nascem com diferenças laterais. O coração, por exemplo, localiza-se no lado esquerdo do tórax — uma área vulnerável que, historicamente, o ser humano procurou proteger.

Essa vulnerabilidade pode ter gerado, ao longo do tempo, uma pressão evolutiva a favor da dominância destra. Exércitos de diversas culturas desenvolveram escudos que são tradicionalmente usados com o braço esquerdo, deixando a mão direita livre para o combate.

Essa estratégia protegia a região mais sensível do corpo, garantindo maior chance de sobrevivência em confrontos físicos.

Contudo, essa teoria também tem suas limitações. Apesar da vantagem que os canhotos podem ter em confrontos individuais, pois lutam contra o padrão, sua presença em formações militares sempre foi minoritária e logisticamente desafiadora.

Evidências arqueológicas reforçam a dominância destra

A ciência também busca pistas no passado. Pinturas rupestres, como as da Cueva de las Manos, na Argentina, datadas de até 8 mil anos a.C., mostram predominância de mãos esquerdas pintadas, indicando que a maioria dos artistas eram destros. O mesmo padrão se repete em cavernas na Europa.

Vestígios de ferramentas e marcas de uso também revelam que o Homo heidelbergensis, há mais de 450 mil anos, já apresentava dominância destra.

Estudos neuroanatômicos confirmam que cérebros de espécies humanas extintas, como o Homo erectus, também apresentavam assimetrias semelhantes às dos humanos modernos.

A resposta definitiva ainda é um mistério

Apesar de todas as evidências, a ciência ainda não chegou a uma conclusão definitiva sobre por que os destros são maioria.

A explicação mais aceita hoje combina fatores genéticos, neurológicos, culturais e ambientais numa interação complexa que molda a lateralidade humana ao longo da vida.

Embora ser canhoto ainda seja visto por muitos com certo estranhamento, trata-se de uma variação natural da condição humana, que continua despertando o interesse da ciência, da cultura e da sociedade.




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